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Fábio Peron

   
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Fábio Peron une inventividade e afetos, em seu novo CD Afinidades
Por Mauro Aguiar

 
Grata revelação da música instrumental brasileira, mas já com tarimba e jeito de veterano, Fábio Peron deixa suas digitais na maneira expressiva e original com que sabiamente maneja as capacidades estilísticas do seu instrumento, o bandolim. E, para além disso, compõe como quem sabe estar sedimentando, ponto a ponto, uma obra consistente, com o frescor das coisas vivas. 
 
É essa vida que salta aos ouvidos nessa coleção sonora que Fábio e seus pares, Danilo Silva (Violão) e Zé Barbeiro (Violão de 7), nos ofertam no CD Afinidades (Borandá, 2016). 
O projeto é baseado nas vivências que Fábio tinha com cada um de seus parceiros de trio separadamente. Com Danilo Silva, o entendimento se deu de imediato e uma parceria nasceu já no primeiro dia de bate-bola. Com Zé Barbeiro sempre era um tocar com a alegria de uma roda, aprendizado constante.
 
Danilo Silva e Zé Barbeiro são músicos de universos muito distintos. O primeiro é mais ligado ao jazz, à moderna música brasileira instrumental; o segundo tem a tarimba do choro rasgado, acumulando eras em seus bordões. Fábio imaginou que sua afinidade musical com cada um dos dois era tão grande, que se fosse promovido um encontro sonoro seu com Danilo e Zé, o resultado só poderia ser um entendimento sonoro perfeito. E não teve erro: ao ouvi-los tocando juntos, Fábio constatou que era exatamente aquele o som que havia imaginado. 
 
O trabalho amadureceu e se corporifica agora no CD Afinidades, que traz nove faixas: seis só de Fábio, uma em parceria com Danilo, uma só de Danilo (dedicada a Fábio) e uma de Zé Barbeiro. Duas faixas são executadas em duo e as restantes são executadas com o trio, dando conta de uma grande diversidade rítmica que vai do choro ao baião, do samba à valsa.
 
O CD abre com um samba-cartão-de-visitas, “Samba Brasil”, que parece dizer sob os dedos de Fábio: “eu sou samba bom e sei o tom...” e segue com o bem urdido “Cuidado, Inocente”, delicioso samba-choro que convida à gafieira, com uma pegada aparentemente leve e jocosa mas que, como seu titulo sugere, pode derrubar os inocentes na sua rítmica intrincada.
 
“Afinidades” é o inspiradíssimo choro que celebra a amizade do trio - e “Cadê a Marrenta” surge logo depois, com a cadência jongueira sequestrando-nos para um outro tempo que enreda pilões e cafezais na dança de cordas. Nele, Fábio e Danilo Silva atravessam a linha (férrea?) em solos antológicos. Solos férteis de uma obra-prima.
 
Como se não bastasse a beleza anterior, Fábio e seu bandolim reaparecem sozinhos em um salão remoto da memória, na radiante ‘Waltz for Peron”, em que sua respiração trêmula trava um diálogo com uma partitura de silêncio e conduz a valsa-jazz jobiniana que se desvela em pleno voo... e eis que uma dixieland brota, fazendo uma inusitada ponte-aérea Viena-New Orleans, via pauliceia desvairada. 
 
A faixa seguinte, “A Turma”, é pra cantar junto, bater na mão da imaginação. E “Choro do Thiagueiro” é choro de primeira linha, com fraseado quase impossível. Destaque para as baixarias elegantes de Zé Barbeiro.
 
Na sequência, o trêmulo tocante do bandolim de Fábio anuncia ao coração uma das melodias mais sentidas e inspiradas do CD, “A Canção do Libertar”. A sensação é de libertar-se de uma dor pungente para se desfrutar da doida alegria do samba-choro “O Vaqueiro dos Mourões”, última faixa de um CD que pede pra ficar em loop. 
 
Fábio, Zé e Danilo bem sabem o que dizem com os dedos danados - e bem treinados! - em “Afinidades”. O CD, que é produzido pelo próprio Peron e gravado, mixado e masterizado por Renato Leite, no Rufos Estúdio, surgiu da imaginação de Fábio e de sua franca aposta em erguer pontes entre as diferenças e equalizar sonoridades. Sempre com um pé na beleza e outro na loucura, “Afinidades” é um tributo à amizade que se multiplica em som maior.     
 
Mauro Aguiar é compositor, poeta e designer.

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