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“A gata Café” - Toninho Ferragutti Quinteto

por Carlos Calado

 

É muito provável que uma enquete organizada entre especialistas, para eleger o acordeonista brasileiro mais completo, termine com a escolha de Toninho Ferragutti. Ao longo de três décadas de carreira, esse eclético músico e compositor paulista já exibiu seu talento em inúmeros shows e gravações, tocando choros, valsas, sambas, ritmos nordestinos e sulistas, jazz e música instrumental, além de música erudita – algo raro entre os acordeonistas de nosso país.

 

Essa facilidade de transitar por diversos gêneros e estilos musicais, assim como sua técnica apurada sempre posta a serviço da emoção, são evidentes em “A Gata Café” – o décimo álbum de Ferragutti, lançado com o selo de qualidade da gravadora Borandá, com a qual desenvolve antiga parceria. Gravado em São Paulo, em janeiro de 2016, esse projeto reúne 10 composições do acordeonista e arranjador.

 

Quem conhece a discografia de Ferragutti sabe que durante a última década ele já experimentou diversas formações camerísticas em seus álbuns: o quinteto de cordas de “Nem Sol Nem Lua” (2006); o noneto de “O Sorriso da Manu” (2012); os duos com o acordeonista Bebê Kramer, com o violeiro Neymar Dias ou com o violonista Marco Pereira, respectivamente, em “Como Manda o Figurino” (2011), “Festa na Roça” (2013) e “Comum de Dois” (2014).

 

Ao planejar o álbum “A Gata Café”, Ferragutti decidiu formar um quinteto de sonoridade mais próxima do jazz. Para isso convidou quatro jovens talentos da cena da música instrumental, com os quais ainda só havia tocado separadamente: o saxofonista Cássio Ferreira, o baterista Cleber Almeida, o baixista Thiago Espírito Santo e o violonista e guitarrista Vinícius Gomes.

 

“Quando surgiu a oportunidade de gravar, pensei que eles seriam perfeitos para um projeto como esse”, comenta o acordeonista,  destacando as qualidades de seus novos parceiros. “São músicos antenados, na faixa dos 30 e poucos anos de idade, que também produzem, compõem e tocam qualquer estilo musical, sem qualquer dificuldade técnica. Aliás, os quatro também desenvolvem trabalhos próprios. Sou fã dessa geração”.

 

Como os parceiros de seu quinteto, Ferragutti também cresceu ouvindo diversos gêneros musicais. “Por causa do acordeom tive a possibilidade de entrar em contato com um lado mais tradicional da música. Ao mesmo tempo sempre fui interessado em todo tipo de música, incluindo a erudita e o jazz”, afirma o paulista nascido na interiorana cidade de Socorro, cuja formação musical foi bem diferente do padrão seguido por outros acordeonistas.

 

“Só no final da década de 1980 é que eu fui escutar acordeonistas como o Dominguinhos ou o Luiz Gonzaga. Eu ouvia muitos saxofonistas, porque meu pai tocava saxofone”, conta Ferragutti, admitindo que essa experiência bem particular contribuiu para moldar seu estilo ao acordeom. “O saxofone é um instrumento de sopro com palheta de bambu; já a sanfona tem palhetas de aço. A proximidade entre esses dois instrumentos é grande, inclusive no fraseado, no pensamento melódico”, justifica.

 

As faixas do álbum

 

Ferragutti já havia participado de grupos com formações semelhantes à do atual quinteto, quando tocava em gafieiras, na década de 1980. Não à toa, ao definir o repertório de “A Gata Café”, decidiu regravar duas de suas composições daquela época: os contagiantes choros “O Mancebo” (inspirado no álbum “São Paulo no Balanço do Choro”, do pianista Laercio de Freitas) e “Chapéu Palheta”, gravados originalmente no final dos anos 1990.

 

“Esses choros foram feitos para dançar. São choros sambados, que amadureceram em salões de gafieira”, comenta o acordeonista, ressaltando a marcante influência que recebeu desse gênero musical. “Sempre toquei choro. Gosto de improvisar  no chôro, mas sem romper a estrutura, mantendo uma linha tênue entre o floreado típico do choro e a improvisação”.

 

Outra faixa do álbum que remete aos populares salões de dança é o samba-canção “Santa Gafieira”, que Ferragutti compôs por volta de 2007 para o projeto “Panorama do Choro Contemporâneo Paulista”, já com a formação de quinteto em mente. “Essa é uma daquelas músicas que você toca no final da noite, numa gafieira, quando as pessoas já estão indo embora para casa, como uma despedida”, explica.

 

Também feito por encomenda, o saltitante frevo “Bipolar” foi composto a pedido do saxofonista e maestro pernambucano Spok. O curioso título se deve, segundo Ferragutti, à sua preferência por músicas mais melancólicas. “Para tocar frevo você tem que estar bem alegre, mas, conforme compunha essa música, eu ia ficando triste e escolhia acordes menores. Dai surgiu a ideia do nome da música”, admite, rindo.

 

O conhecido lirismo de Ferragutti está muito bem representado pela delicada valsa que empresta seu título ao álbum. “A Gata Café” foi inspirada por um episódio real: uma gata à procura de um novo teto, que despertou a atenção do acordeonista e de seus vizinhos, no bairro paulistano de Pompéia, no final de 2015. “Todo mundo tem um lado bonito dentro de si. Esse bicho fez com que a solidariedade das pessoas se manifestasse. Todos na rua deixavam uma cumbuquinha com ração e outra com água para o bicho. Ai ele começou a entrar em minha casa e hoje dorme lá na cama”.

 

Curiosamente, só depois de algumas semanas, quando já havia composto e batizado a valsa, Ferragutti veio a perceber que a atraente Café era, na verdade, um gato. “Justo eu que cheguei a estudar veterinária por três anos, em Botucatu, antes de me mudar para São Paulo. Acho que faltei na aula sobre gatos”, diverte-se o compositor. “Mesmo que soubesse disso antes, eu não mudaria nada”.

 

A dançante “Com a Búlgara Atrás da Orelha”, faixa inicial do disco, foi composta para a trilha sonora da montagem teatral de “Como Ter Sexo a Vida Toda com a Mesma Pessoa”, monólogo da argentina Mónica Salvador, adaptado para o Brasil por Odilon Wagner, em 2012. “A ‘búlgara’ do título é uma referência à presidente Dilma, que na época estava com (um índice de) 90% de popularidade”, explica o acordeonista, que se inspirou na tradição musical do Leste Europeu para criar essa música.

 

Composição que também remete ao universo da música oriental, “Beduína” é uma homenagem de Ferragutti à sua esposa, a artista plástica Cinthia Camargo, cuja família é de origem árabe. Cinthia assina com ele a produção do álbum, além de ser a autora da bela pintura que ilustra a capa do CD “A Gata Café”.

 

Embora não tenha sido composta originalmente com essa intenção, a faixa “Egberto” também é uma homenagem. “Chamei essa composição de ‘Egberto’, porque ela acabou ficando com a cara dele. É um forrozão diluído, cheio de respirações, de espaçamentos. Assim como o Hermeto Pascoal, o Egberto Gismonti é um pilar da música instrumental brasileira, que continua inspirando muita gente.” comenta o compositor, reconhecendo essas influências.

 

Outro destaque do álbum é “Cortejo do Rio do Peixe”, composição que também já estava pronta ao ser batizada por Ferragutti com uma referência ao rio que atravessa sua cidade natal. “Fui criado  olhando  para  esse  rio.  A bateria tem uma levada de cortejo, que até lembra um maracatu,

 

mas não é. Cleber puxou para algo mais interiorano. Essa simbiose de uma coisa tradicional com outra mais contemporânea me seduz. O acordeom se presta muito a isso”.

 

Em meio à diversidade que caracteriza a música de Ferragutti também não poderia faltar um tango. “Nem Sol, Nem Lua” – composição gravada originalmente no álbum homônimo, lançado dez anos atrás – ganhou um arranjo mais jazzístico, que abre espaço para criativos solos de Vinicius Gomes (violão), Cassio Ferreira (sax soprano) e do próprio acordeonista. 

 

“Em minhas composições está o extrato do que eu ouço, do que eu gosto de tocar”, afirma Ferragutti, confirmando que já encontrou um caminho próprio na cena musical. “Tem um lado de urbanidade nesse caminho que eu escolhi. Decidi morar em São Paulo para poder tocar música francesa, música italiana, tocar em sinfônica, em grupo de choro, em gafieira ou em banda de rock. Se eu morasse no Nordeste,no Sul ou no Centro Oeste, minha sonoridade certamente seria diferente”.

 

Carlos Calado é jornalista, editor e crítico musical.

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