Marcelo Pretto e Swami Jr. no corpo a corpo com a música
Duo de voz e violão estreia em disco com “A carne das canções”, destacando compositores da cena paulistana contemporânea
A canção está viva, afirmam Marcelo Pretto e Swami Jr.. Ritmo, harmonia, melodia e palavras compõem uma anatomia musical que eles ajudam a dar corpo, em parceria de voz e violão de 7 cordas, no álbum de estreia da dupla, “A carne das canções” (Borandá, 2014). Os artistas aliam técnica primorosa com refinamento harmônico e, criando uma sonoridade peculiar para o formato voz e violão, contagiam o público de saída. O disco tem produção de Beto Villares e conta com participações especiais do violonista e compositor Kiko Dinucci e do violoncelista francês Vincent Ségal.
Após anos acalentando uma admiração mútua pelo trabalho do outro, Marcelo e Swami se aproximaram no início dos anos 2000, mas só conseguiram realizar algo juntos bem mais tarde, quando o cantor foi convidado a participar do primeiro álbum solo de Swami, “Outra praia” (2007). O dueto tomou forma para valer em janeiro de 2011, ao se apresentar no palco do Sesc Ipiranga, em São Paulo. Com um repertório que relia desde Jackson do Pandeiro a antigas serestas, o show teve ainda outras apresentações, inclusive no La Paz FestiJazz (Bolívia).
Dois anos se passaram até surgir a oportunidade de um registro discográfico da parceria. Produzido a partir de recursos do Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (Proac), “A carne das canções” tem uma proposta artística renovada, especialmente quanto ao repertório. “Nosso foco foi a cena paulistana contemporânea”, explica Swami Jr..
Sem qualquer vocação para o tédio conceitual, os artistas guiam o ouvinte por um rico universo sonoro, pleno de humores e sensações. Além de compositores nativos – Luiz Tatit, Kiko Dinucci, Douglas Germano e Fábio Barros –, o álbum reúne aqueles que não nasceram na capital paulista mas que, de alguma maneira, estão identificados com a música que atualmente se faz ali, a exemplo de Arrigo Barnabé, Rodrigo Campos, Leandro Medina, Chico Saraiva e Antonio Loureiro. “São Paulo é cosmopolita e produz uma música excelente”, diz Marcelo Pretto.
O disco também está ancorado no gosto dos artistas pela diversidade de gêneros e estilos, o que é uma característica comum nas trajetórias de ambos. Com os pés na raiz e o olhar no futuro, a seleção musical equilibra sotaques urbanos – “Nessa cidade” (Fábio Barros), “Esqueci de ficar triste (Kiko Dinucci/Jonathan Silva) – com regionais – “Pretinha” (Leandro Medina), “Pixâim” (Walter Freitas/Joãozinho Gomes).
Violonista, produtor, compositor e arranjador, Swami Jr. já atuou ao lado de grandes nomes da música popular brasileira, como Maria Bethânia, Chico César, Zizi Possi, Zeca Baleiro, Elza Soares e Vanessa da Mata. Há onze anos faz a direção musical do trabalho da estrela cubana Omara Portuondo, cujo álbum “Gracias”, coproduzido com Alê Siqueira, rendeu-lhe o Grammy Latino 2009. Tem, em sua vasta discografia, dois álbuns solo, sendo “Mundos e fundos” (2011) o mais recente.
Marcelo Pretto, por sua vez, é cantor autodidata com longa atuação nos grupos A Barca e Barbatuques, com os quais gravou discos e participou de espetáculos no Brasil e no exterior. Foi finalista do Prêmio Visa (2002) e tem um DVD solo lançado pela coleção Toca Brasil, do Itaú Cultural. Intérprete afeito a improvisações, virtuoso ao criar efeitos sonoros com a voz e especialista em percussão corporal, Marcelo incrementa os arranjos de “A carne das canções” com ganzá de boca, baixo vocal, respiração, percussão de bochecha e berimbau de boca.
O álbum, no entanto, revela ainda uma outra faceta do cantor. “O Marcelo é muito admirado pela habilidade com que canta as músicas mais ritmadas, porém procuramos explorar também o lirismo, indo por um caminho que ele próprio não está acostumado”, comenta Swami.
A delicadeza de sua interpretação em “Vai, menina vai” (Arrigo Barnabé), por exemplo, Marcelo credita ao parceiro. “Swami me incentivou a buscar um sentimento na voz que eu julgava não ser capaz de conseguir”. No entanto, ele preferiu deixar a gravação da faixa que dá título ao disco a cargo de Swami, autor da música.
Ancorado na tradição brasileira de voz e violão, “A carne das canções” reverencia o repertório dos artistas criadores do presente e apresenta um diálogo nada convencional entre intérprete e instrumentista. Aqui, fica bastante claro que um mais um é sempre mais do que dois.