AOS VIOLÕES
O piano de Itamar Assiere reverencia a composição dos violonistas brasileiros
O violão brasileiro é peça fundamental na identidade da composição brasileira. Desde os pioneiros do final do século XIX, que dedicaram suas obras exclusivamente ao instrumento, aos contemporâneos que o utilizam como ponto de partida para composições marcantes na canção popular, o instrumento ganhou uma linguagem única, extremamente sofisticada, que o mundo inteiro identifica como um dos símbolos da nossa música.
Itamar Assiere vem trazer um olhar pianístico sobre a composição dos violonistas brasileiros, com a formação consagrada de piano, baixo e bateria. O CD conta com Kiko Freitas na bateria, mais Guto Wirtti e Ney Conceição se revezando nos baixos acústico e elétrico. Dois mestres das teclas brasileiras fazem participações especiais ao acordeom: Cristovão Bastos, na música Aperto de Mão (Dino Sete Cordas, Meira e Augusto Mesquita) e Vitor Gonçalves, em Pilar (Toninho Horta) e Cine Baronesa (Guinga e Aldir Blanc).
Também não ficaram de fora adaptações de obras para violão solo. Villa-Lobos está presente com Choros nº 1 – a obra que leva o choro para a sala de concerto nos anos 20 – e Garoto, com Sinal dos Tempos, que explica o porquê do compositor ser uma das influências de Tom Jobim. Mentor das novas gerações de violonistas, Marco Pereira está presente com Tempo de Futebol, um samba escrito nos anos 90 para violão solo e que Assiere apresenta praticamente como no original.
O lado afetivo é uma tônica do CD, que traz reverências a músicos muito especiais na sua carreira. Claudio Jorge, um dos grandes violonistas do samba e compositor bamba de letra e música, está presente com Samba pro Luizão Maia, o grande baixista com quem Itamar Assiere começou sua carreira em 1989, tendo Claudio Jorge ao violão. Portanto, um duplo tributo, ao compositor e a Luizão. As compositoras brasileiras estão representadas por Rosa Passos com Causa Perdida, parceria com Aldir Blanc gravada no CD Festa, de 1993, tendo Assiere como um dos músicos.
À dinastia Caymmi, faz reverência juntando em medley duas obras-primas: Sargaço Mar, de Dorival Caymmi, e Porto, de Dori Caymmi. Lembrando que o pianista acompanha Nana, Dori e Danilo Caymmi há cerca de vinte anos, e mais recentemente Alice Caymmi, em tributo a Nana. Arthur Verocai, de quem o pianista é braço-direito desde 1989, está presente com Sucuri. A gravação traz um raro encontro dos dois baixistas do CD, sendo que Guto Wirtti aparece com um baixo com overdrive, remetendo ao lado pop de Verocai.
Outro aspecto importante são as parcerias de violonistas. Além de Aperto de Mão, dos mestres Dino e Meira, Assiere escolheu Senhoras do Amazonas, parceria de João Bosco com Belchior, e Jogral, composta por Filó Machado, José Neto e Djavan.
Por ser o primeiro projeto solo em 30 anos de carreira, completados em 2019, Assiere fez questão de gravar todos os músicos juntos, valorizando as interações dos grandes músicos e trazendo para o estúdio o calor de apresentações ao vivo. O único overdub é o órgão Hammond da faixa Sucuri, instrumento que é uma de suas paixões, juntamente com os pianos acústico e Rhodes, estes gravados junto com baixo e bateria.
Em todos esses anos, Itamar Assiere vem atuando essencialmente como acompanhador, tendo a oportunidade de dividir os palcos e estúdios com grandes nomes do violão brasileiro, tornando-se um admirador e observador do instrumento. Sendo o violão o principal instrumento de harmonia da música brasileira, “encaixar” o piano em uma banda com violões e seus derivados é algo complexo. Sem cuidado, é possível desvalorizar tanto os violões quanto o próprio piano. Ter acompanhado Dori Caymmi, Arthur Verocai, Rosa Passos, João Bosco, Claudio Jorge, Guinga, Toninho Horta e Marco Pereira é uma prova de que Assiere vem se saindo bem na missão. E agora retribui seu sucesso como músico aos violões do Brasil, dedicando a eles seu primeiro voo solo.